quinta-feira, 27 de março de 2008

Splash no parque!

Ouvia os meus passos húmidos enquanto passeava pelo parque. Há barulhos mais interessantes, mas como não havia vento, o parque não tem bicharada e estou farto de ouvir o rio, não tinha outro som para me distrair com. O ombro já pesava já se queixava e mudei a mala de braço. Os meus olhos mantinham-se fixos no chão que tantas vezes pisara e tantas vezes tinha visto. Já era o meu trilho pessoal, aquele dos pesos no coração. Sentia um friozinho no estômago enquanto o meu coração batia mais forte e depressa. A vontade de fazer alguma loucura era tanta e o peso do ombro era demais que ouvi um “splash” e vi todos os meus textos a esborratarem-se enquanto desciam o rio. Finalmente estava livre de mim próprio e do que era, pelo menos de uma grande parte, a minha consciência, criatividade e pensamento. Mas sentia-me na mesma, apenas com o ombro mais leve. O pânico assaltou-me e as minhas pernas saltaram para a grade, pronto para me ir salvar, mas tive demasiado medo de perder o resto de mim. Desci da grade a sentir-me um pouco eu, mas muito incompleto. Peguei no telemóvel, nos meus amigos, família e inimigos, o resto de mim que ainda sobrevivia. Um novo “Splash”! Os meus amigos, família e inimigos viam a distância entre mim e eles aumentar enquanto se sentiam húmidos e tomavam banho na humidade da relva molhada pela chuva.

terça-feira, 18 de março de 2008

Evangelho segundo a Dor


Uma ponta de ferro era segurada estaticamente no ar. Uma brisa trazia choros, mágoas e gritos de dor até aquela ponta que agora suspirava antes de começar o seu doloroso serviço. Aquele serviço, aquela função a que fora destinada a partir do momento em que foi comprada era amaldiçoada por todos os que a rodeavam, mas no fim dos tempos, depois de tudo se endireitar ela seria santificada, colocada a par das coisas mais sagradas. Mas por enquanto apenas começava a receber empurrões que a faziam atravessar camadas e camadas. Ao primeiro empurrão abriu um pequeno furo. Ao segundo começou a penetrar aquele meio e a sentir um doce e quente aroma férrico. Mais pancadas faziam-na mergulhar naquele aroma. Cada vez estava mais mergulhada. Bateu num objecto duro que imediatamente estilhaçou. Os fragmentos brancos espalharam-se naquele meio e soltaram um urro. Apenas agora reparava que a cada empurrão que sofria um grito era solto. Mais um empurrão, mais mergulhada estava naquele aroma, mais estilhaços se espalhavam e mais gritos eram soltos. Por fim sentiu uma lufada de ar. Estava agora a sair daquelas camadas, tinha atravessado-as. O aroma escorria por ela e chegando à sua ponta caia como chuva, em gotas. Começava agora a sentir outra camada. Mais uma para atravessar? Os empurrões continuavam, mas agora os grito não se ouviam, não haviam estilhaços e o aroma era mais frio, seco e com um aroma fresco a primavera. Por fim os empurrões pararam. A nova camada não tinha sido atravessada. Começava a sentir empurrões e gritos de outro lado. As suas irmão estavam agora a seguir os seus passos. No fim daquilo seria solta das duas camadas, tal como as suas irmãs e não seria perdida no tempo como as suas primas. Porque nessa altura já estaria santificada, seria demasiado importante para ser esquecida. Agora apenas segurava as duas camadas juntas. A sua função era monótona, mas umas palavras soltas atravessaram-lhe a alma fria e metálica. A essas palavras já não interessava o beijo que ardia, os espinhos e pedras que esbarravam com os seus pés enquanto era arrastado, a coroa que queria agarrar-se à sua pele, o monte de madeira que estava às suas costas, o atravessar das suas mãos e pés por aquelas pontas metálicas. Apenas interessavam elas próprias, essas palavras, esse “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” E o aroma quente e férrico pingava. Gota a gota a humanidade era salva!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Forças

A força que rugia dentro de mim fazia tremer todas as folhas à minha volta. Via plantas a regredirem para o seu estado de semente. Os pássaros voltavam para o ovo e montavam toda a casca à sua volta . As moscas tornavam-se larvas que se enterravam na terra. O cordeiro procurava voltar entrar no ventre de sua mãe. Tudo à minha volta tremia. Tudo o que se conseguia mexer corria, escondia e procurava protecção. A minha força voltava a rugir. As sementes voltavam para a espiga que se tornava novamente numa flor, que se fechava em botão que voltava para o caule que regredia e se unia com a raiz numa nova semente. O ovo voltava para a sua mãe que se tornava num pinto dentro da sua casca. As larvas ficavam em ovos que eram fechadas na terra que se tornava em pedra. A ovelha que agora guardava um novo ser no ventre tornava-se cordeiro e procurava desesperadamente um ventre para entrar e se proteger. A sua confusão era grande, balindo e correndo às voltas, não encontrando ventre para a proteger. Agarrei aquele órfão e calei a minha força interior. O meu mundo desaparecia a cada grito que ela dava e eu não queria perder mais deste mundo. O cordeiro olhou para mim e lambeu-me a mão. Olhei para ele com ternura. Um novo grito queria sair novamente de mim e eu tentei calá-lo. Lutei contra ele, mas ele mosrava que era mais forte do que eu. Só agora via a força dele, pois, tal como o vento, só sabemos a sua força se o enfrentarmos; se nos deixarmos levar nunca saberemos o seu verdadeiro poder. Uma nova lambidela na mão implorou um último esforço e eu calei-me. O cordeiro cresceu novamente e deu à luz uma nova vida que,ainda cambaleando, me disse para utilizar a minha força em vez de criar fúria por nada fazer. A minha resposta foi interrompida por uma voz que me chamava e uma mão que me dava estaladas na cara. Abri os olhos e beijei os lábios que me agrediam, enquanto a minha cabeça e costas se queixavam da quebra da corda de rappel.