A minha cabeça poisou num pequeno monte de penas e senti tudo o que estava à minha volta a girar. A parede, o guarda-fatos, a mesa cabeceira, a porta, o candeeiro, o tapete, as sapatilhas, tudo girava cada vez mais depressa! Fechei os olhos para não enjoar com aquela imagem. Senti-me mais leve, como se uma brisa estivesse a elevar os lençóis que me cobriam. Aquela leveza levava os meus sentimentos de raiva e as minhas mágoas embora. Senti a brisa a parar, os lençóis e o monte de penas a cairem-me aos pés, o cabelo a roçar a testa. Estava de pé! Olhei à volta e do quarto onde me deitei apenas sobrava o monte de penas e o lençol espalhados no chão, ali abandonados e a ficarem cheios de terra seca. Os meus pés sentiam bem aquele solo, enquanto me via numa planície castanha com o horizonte pintado de azul. Uma luz surgia à minha frente. Avancei na sua direcção, dei alguns passos e acabei por sentir os meus pés amarrados por heras que ali antes não existiam. Estava preso naquele sítio! Uma figura masculina vestia uma armadura dourada, segurava numa mão uma espada e na outra uma balança. Possuia ainda um par de asas brancas que se desprendiam das costas e se abriam em todo o seu explendor de lado a lado, fazendo sombra sobre os meus olhos. Os lábios daquela figura eterneceram-se ao ver-me preso e libertaram um “Não te posso ajudar! Já travei demasiadas lutas tuas. Está na hora de tu te libertares sozinho!” A minha voz desesperou “Mas que posso usar para me soltar?” Recebi a resposta que já adivinhava “ Usa o teu coração!” Olhei para o meu peito, para o pedaço de carne que tinha amaldiçoado nos últimos tempos, aquele bocado de carne que eu chamara de egoísta e ruim e ele simplesmente bateu! Mas o seu batimento estremeceu a terra em minha volta. Outra batida! Mais uma vez a terra estremeceu. Outra batida! As cordas soltaram-me e o anjo voou em direcção à luz gritando “Vive guerreiro da luz! Vive por ti, pelo teu coração e por quem o ama!”Acordei com suores frios! Olhei para a parede e vi lá a imagem do meu anjo. Tinha sido o anjo S. Miguel que me tinha mandado acordar! Eu inspirei fundo e deitei-me. Precisava de descançar mais um pouco antes de voltar a viver...

Estava a passear o meu corpo pelo parque da cidade numa manhã de Dezembro. O céu estava limpo e soprava uma suave brisa fria. Com estas condições era óbvio que se tinha formado geada durante a noite. De facto estava uma leve camada branca a cobrir as folhas da relva, dos arbustos e das árvores. Os raios do sol começavam a derreter os grãos de gelo presos nas árvores, de maneira que parecia estar a chover. Numa parte do parque o sol incidia directamente sobre a relva, de maneira que a água há muito que descongelara. No entanto existia um pequeno arbusto no meio do relvado que, claro, possuía a sua sombra, lançada sobre uma pequena parte no relvado. Na sombra do arbusto a geada ainda não havia dissolvido.