terça-feira, 18 de março de 2008

Evangelho segundo a Dor


Uma ponta de ferro era segurada estaticamente no ar. Uma brisa trazia choros, mágoas e gritos de dor até aquela ponta que agora suspirava antes de começar o seu doloroso serviço. Aquele serviço, aquela função a que fora destinada a partir do momento em que foi comprada era amaldiçoada por todos os que a rodeavam, mas no fim dos tempos, depois de tudo se endireitar ela seria santificada, colocada a par das coisas mais sagradas. Mas por enquanto apenas começava a receber empurrões que a faziam atravessar camadas e camadas. Ao primeiro empurrão abriu um pequeno furo. Ao segundo começou a penetrar aquele meio e a sentir um doce e quente aroma férrico. Mais pancadas faziam-na mergulhar naquele aroma. Cada vez estava mais mergulhada. Bateu num objecto duro que imediatamente estilhaçou. Os fragmentos brancos espalharam-se naquele meio e soltaram um urro. Apenas agora reparava que a cada empurrão que sofria um grito era solto. Mais um empurrão, mais mergulhada estava naquele aroma, mais estilhaços se espalhavam e mais gritos eram soltos. Por fim sentiu uma lufada de ar. Estava agora a sair daquelas camadas, tinha atravessado-as. O aroma escorria por ela e chegando à sua ponta caia como chuva, em gotas. Começava agora a sentir outra camada. Mais uma para atravessar? Os empurrões continuavam, mas agora os grito não se ouviam, não haviam estilhaços e o aroma era mais frio, seco e com um aroma fresco a primavera. Por fim os empurrões pararam. A nova camada não tinha sido atravessada. Começava a sentir empurrões e gritos de outro lado. As suas irmão estavam agora a seguir os seus passos. No fim daquilo seria solta das duas camadas, tal como as suas irmãs e não seria perdida no tempo como as suas primas. Porque nessa altura já estaria santificada, seria demasiado importante para ser esquecida. Agora apenas segurava as duas camadas juntas. A sua função era monótona, mas umas palavras soltas atravessaram-lhe a alma fria e metálica. A essas palavras já não interessava o beijo que ardia, os espinhos e pedras que esbarravam com os seus pés enquanto era arrastado, a coroa que queria agarrar-se à sua pele, o monte de madeira que estava às suas costas, o atravessar das suas mãos e pés por aquelas pontas metálicas. Apenas interessavam elas próprias, essas palavras, esse “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” E o aroma quente e férrico pingava. Gota a gota a humanidade era salva!

2 comentários:

Anónimo disse...

estive a ler os teus textos desde o das vinhas:( desculpa não ser tão assíduo como gostaria...
hum... que posso eu dizer?
gostei imenso do da chuva... os restantes achei piada à linguagem e metáforas...
Relativamente a este texto-bomba... =) é pesado sim... é uma perspectiva interessante "personificar" as armas... gostei do paralelismo das gotas vidas salvas... Fenomenal sem dúvidas!
E fizeste um proeza lembraste-me de um texto que escrevi há três anos com o mesmo tema:

Um dia tive um sonho, aí vi o que era o sofrimento.
Eu via Cristo, não, era eu o próprio, tudo era tão confuso.
Eu carregava a cruz, todos me insultavam, batiam-me. Sentia algo a cortar-me a pele e a perfurar a minha carne.
Embora sentisse a dor, não desisti, uma força dizia-me para ter Esperança, para não desanimar.
Como a cruz era pesada! Sentia as pernas a fraquejar, mas só pensava numa coisa, fazer a vontade de meu Pai!
Seguia, o sol queimava a minha pele, tinha sede.
Parecia que carregava os pecados da Humanidade... por fim caí! Açoitaram-me, chamaram-me mentiroso e fraco, mesmo assim levantei-me, ergui a cabeça e ganhei forças para carregar de novo o peso da cruz.
Embora tudo estivesse contra mim sentia que desta vez ia conseguir, mas... caí de novo!
O desespero apoderou-se de mim... Foi então que uma força interior cresceu dentro de mim e sem perceber como levantei-me de novo, superando todas as minhas expectativas...
Agora tudo era claro, estava destinado a morrer para salvar a Humanidade.
A última coisa que me lembro de fazer foi olhar para o céu e sorrir...

Anónimo disse...

Acho que fizeste uma boa escolha ao alterar o texto que estava por este...
O outro não se encaixava no estilo do teu blog...
"Todas as maravilhas de que precisas estão dentro de ti."